Hoje minha mãe morreu

 

Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: “Mãe morta. Enterro amanhã. Sinceros sentimentos.” Isso não esclarece nada. Talvez tenha sido ontem.
O estrangeiro – Albert Camus

 

 

Hoje minha mãe morreu. Ao contrário de Meursault, personagem de Camus no livro “O estrangeiro”, eu não tenho dúvida se foi ontem ou se foi hoje. Foi hoje a morte de minha mãe, meu irmão mais velho me ligou para avisar, nesta terça-feira, 10 de novembro de 2020. Estou no sertão de Pernambuco e minha mãe faleceu no Rio, Rio de Janeiro onde nasci. Este mesmo irmão me disse outro dia, num telefonema, que minha mãe estava só me esperando para partir, eu, o único filho longe dela. Quase oitenta anos, coincidências, o romance de Camus foi lançado no ano em que minha mãe nasceu. Na Rádio Cidade, ouvida pela web, toca Sing, com Travis. Daqui a dez dias vou estar de volta a Cidade Maravilhosa, depois de três anos aqui pelo nordeste.

 

Eu, de um moleque, um pirralho tagarela, daquelas crianças que conversam com os adultos como se um adulto fosse, me tornei uma criança introspectiva. Um adolescente que ao se olhar no espelho perguntava: “O que eu sentiria se minha mãe morresse?”. Depois de morar com avós, tios e tias, padrinhos e até vizinhos, voltei a morar com minha mãe aí pelos meus sete anos. A partir de então me tornei um filho útil, pelo menos por uns dez ou quinze anos mais. Já perto do final da minha utilidade, antes de servir ao quartel, antes da maioridade, comprei a casa da minha mãe, com o suor do meu trabalho, e de uns trabalhinhos extras para meu amigo Walternan, que só de trabalho não dá para comprar porra nenhuma. Depois me tornei um filho inútil, ou talvez nunca tenha sido um bom filho.

 

O que eu sentiria se minha mãe morresse, foi uma pergunta que formulei para tentar responder ao que eu percebia em mim como uma insensibilidade a tudo e a todos. Ainda me sinto assim, um estrangeiro no mundo. Não tinha a ver com minha mãe ou a morte dela, mas com uma questão sensível a todos, ou a quase todos, já que eu pareço ser uma exceção. Era para ser a pior pergunta a ser respondida e assim arrancar de mim alguma reação, algum sentimento. E aos cinquenta e dois anos, feitos há quatro dias, distante do corpo de minha mãe, sem derramar uma lágrima, ainda não tenho a resposta.

 

Rotsen Rosa Ribeiro­­­­

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