Deus ex machina
Sempre
que ouço cristãos como eu, católicos eu evangélicos, afirmando que Deus falou
com eles, experimento uma sensação de desconforto, fico incomodado. Fico me
perguntando, como foi isso? Será que eles, assim como Moisés, viram uma sarça
arder em fogo? Como é que Deus falou com eles?
- Tio –
minha filha me chama de Tio, porque sou seu padrasto - Tio, Jesus falou comigo,
aqui, agora, enquanto eu lavava louça e a pia entupiu!
É,
Jesus falou com minha filha enquanto ela lavava a louça.
Eu
perguntei – E o que Ele falou? Que depois de lavar a louça você tem que limpar
o fogão também?
- Não –
disse minha filha.
Jesus
nunca diz para minha filha fazer uma segunda coisa de casa, depois da gente
mandar ela fazer a primeira.
– Jesus
disse que eu sou como essa pia entupida.
- Como
assim?
-
Jesus me disse – continuou ela – que eu sou como esta pia entupida, vou
deixando pequenas sujeirinhas se acumularem em mim, achando que não é nada, e
então entupo, fico cheia de água suja e estagnada.
- É, é
uma boa metáfora – eu disse.
Tendo
uma cobaia em casa, minha filha, guiado por essa experiência dela com a louça,
acho que descobri como Deus fala com os homens. Descobri também que Ele fala
muito comigo, mas como Ele nunca se apresentava, não sabia que era Ele que
falava e fala tanto comigo.
E sobre
o que eu e Deus conversamos? É, porque comigo, não é Deus falando, a gente
conversa, bate longos papos, dialoga legal. Nossos assuntos preferidos são
literatura, séries de TV, filmes, sobre as coisas que eu escrevo, soluções para
minhas histórias. Isso porque, para os que não sabem, sou escritor e
roteirista.
Assim
como aconteceu com minha filha, muitos desses papos entre eu e Ele acontecem
quando lavo a louça. Porque lavar louça é uma atividade mecânica, então você
começa a pensar em coisas que te interessam. Uma das coisas que mais me
interessam é escrever, ler e criticar, melhor seria dizer, avaliar a escrita
dos outros, assistir e assim avaliar roteiros, ou seja, escritos que viram
séries, filmes e novelas.
Estou
eu lá, lavando louça e de repente Deus me diz:
- Pô
Rotsen, cê podia finalizar aquela história sua, “A Carta”, deixando uma
pergunta no ar, por exemplo: o que é que tinha escrito nas cartas?
- Boa,
Deus! - Eu respondo entusiasmado, literalmente entusiasmado, já que alguns dos
significados de entusiasmado são: "ter um deus interior" ou
"estar possuído por Deus".
Deus
continua - É, porque aí tu vai, se quiser, escrever uma continuação. Viu como
tá lá no SpiritFanfics? É a tua história mais visualizada.
- Deus,
foi você falando aí nessa idéia e eu pensado que além de finalizar bem a
história, abria para essa possibilidade de continuação. Porque até agora eu não
estava contente com o final que eu tinha dado não.
- Bem
melhor assim – acrescenta Deus – se você terminar com esse suspense sobre o que
diziam as cartas.
A pia
entope comigo também, mas Deus não diz para mim que eu era como a pia não.
–
Gostou dos “13 porquês”? – Deus retoma - Eu gostei, mas a história não é sobre
a menina, é sobre aquele esquisitinho lá, amigo dela.
- O
Clay! Foi exatamente o que eu disse para minha filha. Os “13 porquês” é a
jornada de autoconhecimento do Clay Jensen, mas não é mesmo a história da
Hannah Baker.
- Acho
difícil eles conseguirem que a segunda temporada seja tão boa quanto a primeira
– diz Deus desapontado.
Eu fico
pensando no que Deus acabou de dizer, para dizer a verdade, precisamente na
palavra que Ele usou, acho, Deus disse: acho difícil. Deus não deveria achar,
Deus deveria ter certeza.
-
Também acho pouco provável que eles consigam fazer uma segunda temporada
coerente com a primeira temporada – eu digo - Minha filha me falou que tem um
boato que diz que na segunda temporada, a gente fica sabendo que tudo que
aconteceu na primeira foi coisa da cabeça do Clay e que a Hannah não morreu.
-
Ridículo isso, forçado demais.
-
Deus ex machina – digo e Deus ri.
O bom
das minhas conversas com Deus, é que Ele tem um gosto e idéias muito parecidas
com as minhas. Uma afinidade incrível. Deve ser por isso que lá no Gênesis Ele
disse: “façamos o homem a nossa imagem e semelhança”.
Rio, 11/07/2017.
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